Wednesday, June 06, 2007

Resumos (5)

Resumo da apresentação de Tiago Baptista, "Mulheres de magazine": a nova mulher e a cultura comercial urbana no início do séc. XX" (22 MAI 2007).

Resumo
Nos anos dez e sobretudo nos anos vinte, a “mulher moderna” (citadina, alfabetizada, burguesa) foi associada ao centro da vida cultural, comercial e de entretenimento da cidade – o Chiado. A descrição da mulher e destes (novos) espaços da cidade favoreceu e operou uma activa sobreposição metafórica da mulher e da cidade, ambas tornadas índices da modernidade lisboeta, referidas a modelos estrangeiros (acima de tudo, Paris – embora a referencia da nova mulher seja cada vez mais a mulher americana e sobretudo a actriz americana). As descrições dessa nova mulher, nesse velho espaço geográfico, fizeram-se através de novos meios, chegando por isso a cada vez mais pessoas – sobretudo o magazine, a crónica, a ilustração; depois o teatro, a literatura, e até o cinema. Estes meios e estas descrições pareciam apontar para uma cada vez maior visibilidade de um novo tipo feminino naquele (limitado) espaço público, num processo que parece ser possível associar ao desenvolvimento, contemporâneo, de uma nova cultura comercial urbana também ali concentrada.

A “mulher magazine”, “mulher cinema” e a própria espectadora das salas de cinema lisboetas, que surgem destes textos, descrições e destas imagens literárias tinham no entanto pouca realidade sociológica. Talvez estejamos por isso diante não tanto de uma transformação social efectiva – a emancipação das mulheres pelo trabalho, pelo consumo ou pelo lazer, a transformação do seu papel tradicional de filha, esposa e mãe no novo papel de mulher autónoma, independente, sujeito desejante cujas paixões e comportamentos que simultaneamente seduzem, atemorizam e desconcertam os homens – mas antes diante de uma construção cultural poderosa capaz de iludir a realidade e de agir sobre ela: levando a crer que tal mulher e tal cidade existiam de facto da Lisboa dos anos dez e sobretudo dos anos vinte.

A mulher moderna (ou melhor, modernista) foi a construção cultural que tornava possível a ambivalência no seu estatuto público: ela era constituída enquanto puro objecto do olhar e do desejo masculino mesmo quando lhe era facultado o acesso aos (novos) lugares públicos de uma cultura comercial urbana sob a premissa de que neles ela seria um sujeito desejante. Só assim se compreende como as mulheres fazendo compras numa loja ou num grande armazém, clientes numa casa de chá, ou espectadoras numa sala de cinema – tudo posições que faziam delas ostensivamente o sujeito desejante nos contextos de uma cultura comercial urbana – acabassem sempre descritas como figurinos, como mulheres fatais, como personagens de um filme, isto é, sempre como objecto do olhar e do desejo masculino.

A mulher moderna foi assim a construção cultural que por excelência permitiu fazer modernidade num país que não a tinha. Modernizar a mulher era modernizar a cidade e com ela a cultura portuguesa do inicio do século XX.

Neste processo, o papel tradicional da mulher parecia muitas vezes ameaçado por novos hábitos que de facto existiriam mais naquelas construções culturais da mulher moderna do que naquela sociedade. Por um lado procurava-se combater a modernidade e defender um modelo feminino tradicional; mas por outro lado, era por ali mesmo que se criava a percepção da mudança de mentalidades e das novas aspirações femininas. O que está aqui em causa é o agitar do fantasma da massificação de uma nova cultura material no esforço conservador de limitar os seus efeitos em Portugal.

Bibliografia
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1 comment:

Renata Ribeiro said...

poxa, muuito legal... vai me ajudar em um ensaio que estou produzindo.

obrigada por disponibilizar este resumo on line.